Setor de mineração traça estratégias para a retomada

O setor de mineração, que se tornou assunto constante nos debates sobre segurança operacional e meio ambiente depois dos desastres de Brumadinho, em janeiro, e de Mariana, em 2015, vem tentando se reerguer. Em outubro, o Serviço Geológico do Brasil irá coordenar um leilão de direitos minerários do Complexo Polimetálico de Palmeirópolis (TO), com potencial para cobre, zinco e chumbo, e a Agência Nacional de Mineração (ANM) prepara outro certame, desta vez com mil áreas, para novembro.De acordo com o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), a estimativa de faturamento para 2019 é de US$ 35 bilhões, a se manter a alta dos preços das principais commodities minerais ao longo do ano. Será uma receita superior à registrada em 2018, que ficou em US$ 34 bilhões. Levantamento feito pelo Ibram antes do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho mostrava intenção de investimentos no setor de US$ 19,5 bilhões para o período 2018-2022.

Estes aportes – que seriam destinados ao aumento de capacidade e manutenção de operações, contemplando projetos de ferro, ouro, cobre, zinco, bauxita, terras raras e os chamados minérios industriais – foram definidos num momento anterior às novas regras de segurança da ANM, que exigem o descomissionamento de barragens a montante (semelhantes à de Brumadinho).

O minério de ferro, a estrela do setor na pauta de exportações, e mais ouro, ferro-nióbio, cobre, bauxita, manganês, pedras naturais e de revestimentos e caulim figuram entre os que mais ajudaram a engordar a receita com vendas externas do setor em 2018, quando este respondeu por 36,6% do saldo comercial brasileiro. Do valor total com exportações, de US$ 29,9 bilhões, a maior parte foi obtida graças ao ferro: 68%.

Cobre e ouro contribuíram com 9% cada um, o ferro-nióbio com 7% e pedras ornamentais com 3%. Vários outros participaram com cerca de 1%, como, por exemplo, o manganês, a bauxita e o caulim. Foram embarcados, no ano passado, mais de 409 milhões de toneladas de bens minerais, que equivalem a 12,5% do total exportado.

Centro global de inteligência artificial da Vale — Foto: Divulgação
Centro global de inteligência artificial da Vale — Foto: Divulgação

O Produto Interno Bruto (PIB) da indústria extrativa mineral é de 1,4%, sem contar petróleo e gás, e o setor responde por 16,8% do PIB industrial. Emprega diretamente 180 mil pessoas, além propiciar outros dois milhões de vagas indiretas. Ocupa 0,5% de todo o território nacional e produz mais de dois bilhões de toneladas por ano. No ano passado, os agregados para construção civil e o minério de ferro lideraram o ranking de produção, com 450 milhões de toneladas cada um. Logo atrás veio a bauxita, com 35 milhões de toneladas.

De acordo com especialistas, o Brasil tem potencial para muito mais na mineração. Mas a atividade, que vinha avançando em termos regulatórios desde o fim de 2017, com a criação da Agência Nacional de Mineração (ANM) e medidas que modernizaram o código mineral, agora enfrenta uma série de novas propostas de leis e regras mais rígidas, apresentadas por parlamentares federais e estaduais de Minas Gerais na esteira da comoção com o desastre de Brumadinho. Entre elas, há aumento de impostos.

O presidente do conselho diretor do Ibram, Wilson Brumer, observa que há propostas de leis superpostas entre si e com o que já existe na legislação. “É preciso separar penalização de tributação. Se alguém tem de ser penalizado, que seja, mas não vamos criar essa confusão, porque isso cria insegurança jurídica que vai afugentar o investidor.” Segundo ele, o setor não defende uma mineração a qualquer custo, e sim com segurança, “mas deixar as empresas paralisadas não é a solução”, ressalta.

O Brasil tem 9.415 minas em regime de concessão de lavra, com apenas 2% podendo ser consideradas de grande porte – aquelas que podem produzir acima de um milhão de toneladas por ano. Outros 11% são médias – produzem entre cem mil e um milhão de toneladas. A grande maioria – 87% – é de micro e pequenas empresas mineradoras, com produção de até cem mil toneladas anuais.

O setor ainda conta com 1.820 lavras garimpeiras, 13.250 licenciamentos (areia, cascalho e argila) e 830 complexos de águas minerais. Ou seja, trata-se de um universo complexo. “Temos de olhar as micro, pequenas e médias empresas. Se acontece alguma coisa, elas não têm condição de reparação”, diz Brumer.

O Ibram, que até pouco tempo atrás era visto como defensor dos interesses de uma ou de algumas grandes mineradoras, mudou sua forma de atuação para ser, de fato, representante da mineração. Busca fortalecer um setor mais transparente, seguro, com uma comunicação melhor e mais próximo dos municípios e da cadeia produtiva. Vem atraindo fornecedores e startups para debater e desenvolver tecnologias e soluções em conjunto, realizando seminários e encontros setoriais.

“Todos estão conscientes de que problemas não afetam uma só empresa, mas o setor como um todo. Temos dado muito foco à inovação, não só do ponto de vista operacional, mas também na comunicação e na transparência”, diz Brumer. Para ajudar a reerguer a imagem setorial, foi encomendada uma pesquisa ao Reputation Institute.

Para Brumer, a ANM, que substituiu o Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM), deve ser fortalecida e pode dar a regulação necessária ao setor. Em novembro, um mês depois do leilão previsto do Complexo Polimetálico de Palmeirópolis, a agência pretende ofertar, em leilão eletrônico, as primeiras mil áreas de uma lista de 20 mil disponibilizadas, cujos requerentes anteriores perderam os direitos minerários ou eles expiraram.

Brumer vê tais ofertas como positivas para despertar novos apetites para o setor. “É um modelo novo, vamos ver se vai funcionar”, diz. Mas lembra que a disposição de investir está ligada à segurança jurídica. Também defende uma sintonia entre o Serviço Geológico do Brasil (antiga Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais), detentor dos dados e informações geológicos, e a ANM.

De acordo com o diretor da ANM, Eduardo Leão, na lista das mil áreas que serão leiloadas, há locais de garimpo, pesquisa mineral e lavra que se encaixam em projetos de pequeno e grande portes. Nelas, há dezenas de minérios diferentes – ferro, bauxita, ouro e caulim são alguns exemplos – que podem atrair investidores nacionais e estrangeiros.

O processo será em etapas. “Primeiro haverá a oferta de área. Se houver uma empresa com interesse, leva, obviamente pagando as taxas. Com mais de um interessado, abrimos para o leilão”, explica Leão. Ainda não há um cronograma definido para oferecer ao mercado todas as 20 mil áreas ao mercado. Segundo o diretor, isso vai depender do resultado da oferta das primeiras mil.

De fato, será um bom teste da capacidade do setor em atrair interessados. O sócio-diretor da KPMG em Minas Gerais, Ricardo Marques, vê dificuldades para a atração, no curto prazo, de investimentos em projetos que exijam licenciamentos complexos. Isso por conta de resistências e rigidez criadas em função dos rompimentos das barragens de Brumadinho e, antes, de Mariana, que aumentaram a sensibilidade aos impactos ambientais.

Para ele, é preciso enfrentar essa discussão e garantir transparência e mais objetividade na aprovação das licenças. “É óbvio que precisa haver o maior rigor possível no licenciamento, mas a questão é a complexidade e o tempo que se gasta para obtê-lo.” Marques vê as mineradoras mais dedicadas à chamada licença social aos projetos – o apoio das comunidades impactadas, que têm demonstrando preocupação crescente em relação à segurança.

Segundo o consultor, ações sociais tocadas pelas empresas ajudam a elevar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dessas localidades. “Sem essa licença social e o apoio das comunidades, vai ficar muito difícil operar mineração, especialmente no Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais’’, destaca Marques.

E tornar a atividade difícil é um tema que assusta municípios dependentes economicamente da mineração. O presidente da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (Amig), Vitor Penido de Barros, que também é prefeito de Nova Lima (MG), teme que propostas de novas taxas e impostos para o setor, criados no calor do debate pós-desastre ambiental, possam desestimular os negócios.

“A mineração responde por mais de 50% da arrecadação dos municípios onde está presente. São recursos fundamentais para as áreas de saúde, educação e segurança”, destaca. Barros também lembra que a atividade minerária está na base de uma imensa cadeia produtiva, criando empregos e renda para os cerca de 50 municípios integrantes da Amig – dos quais 35 ficam em Minas Gerais e o restante em Estados como Pará, Goiás, Mato Grosso e Bahia.

No ano passado, a arrecadação com Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) somou R$ 3 bilhões, com Minas Gerais obtendo a maior parte: R$ 1,31 bilhão. Em seguida, vem o Pará, com R$ 1,29 bilhão. Enquanto o setor mineral no Brasil vai se ajustando a uma nova fase, a redução da oferta de ferro até meados deste ano manteve preços em alta.

Essa retração, lembra a analista do setor de mineração da consultoria Tendências, Yasmin Riveli, foi efeito da paralisação de operações da Vale em Minas Gerais por conta da tragédia de Brumadinho e de fortes chuvas que prejudicaram o escoamento de minério produzido pela empresa no Pará.

Até julho deste ano, os preços internacionais do minério de ferro registraram alta de 38,8% sobre o mesmo período de 2018. A consultoria estima uma diminuição de 12,3% na produção doméstica em 2019. Já para 2020, a projeção é de alta de 10%. Com a queda da produção do minério de ferro neste ano, Yasmim diz que as exportações da commodity também devem recuar 10,2%. Já a receita deve crescer 19,7%, em linha com a alta dos preços internacionais do minério.

Na medida em que os embarques de minério brasileiro e australiano, que enfrentou problemas climáticos, vão avançando em 2019, a tendência é de queda nas cotações, diante dos elevados níveis do primeiro semestre. “A velocidade de recuperação dos patamares de produção da Vale é fundamental no preço do minério”, avalia o líder do setor de mineração do Centro de Energia e Recursos Naturais da EY, Afonso Sartorio.

Já para níquel e cobre, a tendência é de crescimento da demanda acima da oferta, o que tende a gerar um importante aumento da receita do cobre brasileiro, aponta ele. Ainda que a China esteja crescendo mais devagar nos últimos anos, a demanda continua alta para ferro. E, no momento, o principal fator de preço está na oferta, e não na demanda, diz.

Sartorio lembra que as reservas brasileiras de minérios despertam atenção de investidores e cita o exemplo do níquel – insumo para baterias de veículos elétricos. “Temos a terceira maior reserva do mundo, 12 milhões de toneladas. Mas um cenário regulatório estável é fundamental para a captação de volumes crescentes de investimento”, afirma.

Para o presidente da Associação Brasileira de Pesquisa Mineral (ABPM), Luis Maurício Azevedo, o Brasil deveria estimular a pesquisa, uma vez que é importador de vários minérios, como carvão, potássio, cobre, zinco, entre outros. “A ausência de investimento significa não só o aumento de volume, mas também de commodities minerais importadas.”

Em 2018, o país importou principalmente potássio e carvão – que juntos somaram 77% dos gastos –, além de cobre, enxofre, zinco, rocha fosfática, entre outros. Desembolsou US$ 7,9 bilhões para comprar cerca de 42,8 milhões de toneladas.

O Ministério de Minas e Energia (MME) informa que desenvolve diversas iniciativas visando atrair investimentos em pesquisa e produção mineral. A meta é a dinamização do setor e a diversificação de commodities exploradas, com agregação de valor ao produto mineral. Segundo o MME, não há direcionamento para segmentos específicos, apesar de um foco natural para substâncias em que o Brasil é dependente de importações, para aquelas que movem a economia do país e ainda as que têm perspectivas em função das novas tecnologias.

Azevedo, da ABPM, ressalta que o país está “anos luz” atrasado em pesquisas minerais em relação a outros países produtores, como Canadá, Austrália, Peru, Colômbia e Chile, “que investem em desenvolvimento de mercados, acordos estratégicos comerciais e conhecimento interno”. Já o Brasil, afirma, está na ponta oposta, ao não investir em infraestrutura e manter entraves burocráticos aos negócios, duas razões para afastar investidores.

“Temos de aprender com outros países e perseguir a agilidade de outorga e licenciamentos, afastar a burocracia, trazer medidas de estímulo fiscal para a pesquisa e desenvolvimento de tecnologia e praticar parcerias de investimento”, afirma Azevedo.

Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2019/09/09/setor-de-mineracao-traca-estrategias-para-a-retomada.ghtml

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