Energia limpa muda o cenário

O setor mineral vive um momento peculiar. De um lado, os especialistas apontam a possibilidade de uma recessão nos Estados Unidos e na Europa, além de um crescimento menor da China, o que impactaria negativamente a demanda e os preços das commodities. De outro, a guerra entre Rússia e Ucrânia – ambos grandes produtores de minérios – e a transição energética, uma agenda urgente, podem abrir oportunidades para o Brasil.
Levantamento do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) prevê investimentos de US$ 40,4 bilhões no setor entre 2022 e 2026. Os recursos, com 46% em execução, têm como destino a produção, a infraestrutura e a área socioambiental. O minério de ferro, com US$ 13,6 bilhões, é o que está recebendo o maior aporte. Em seguida, vem fertilizantes, com US$ 5,7 bilhões, e bauxita, com US$ 5,5 bilhões. Ouro e cobre também são destaques, obtendo US$ 2,9 bilhões e US$ 1,2 bilhão, respectivamente.
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Com 27% do total, Minas Gerais lidera entre os estados que abrigam os novos empreendimentos minerais. A Bahia aparece em segundo lugar (15%) e o Pará (11%) em terceiro. Os demais vão dividir os 47% restantes. “A mineração industrial é um dos grandes trunfos para o Brasil dar um salto e se tornar, efetivamente, um dos protagonistas da transição para uma economia efetivamente “verde”, diz Raul Jungmann, presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).
Um cenário de recessão global frearia a recuperação da indústria mineral no Brasil, que registrou um primeiro semestre de 2022 negativo. Dados do Ibram indicam retração na produção, exportação, faturamento e saldo comercial quando comparados a igual período de 2021. As vendas menores ao exterior, especialmente para a China, maior comprador de minérios do Brasil, reduziram em 24% o faturamento, que ficou em R$ 113,2 bilhões.
O minério de ferro respondeu por 60% do faturamento da indústria mineral nos primeiros seis meses do ano, seguido pelo ouro (10%) e pelo cobre (7%). Já a produção do setor, estimada em 441 milhões de toneladas, ficou 9% menor. O Brasil exportou 24% a menos de minérios e importou 200% a mais, em dólar. Em valores, isso quer dizer US$ 21,1 bilhões e US$ 9,4 bilhões, respectivamente.
Para Jungmann, a perspectiva é de recuperação gradativa a partir do segundo semestre. O otimismo é por conta da elevação de 1% nas vendas no segundo trimestre sobre os três meses anteriores. Com base nos dados do segundo trimestre, o Ibram projeta um volume de produção, em 2022, próximo ao do ano passado, estimado em 1,15 bilhão de toneladas. O número oficial de 2021 ainda não tinha sido divulgado pela Agência Nacional de Mineração (ANM) até o início de agosto.
Além de lidar com as incertezas do contexto internacional, o setor esbarra em gargalos internos, entre eles questões jurídicas e tributárias. Jungmann defende, entre outros pontos, mais orçamento para a ANM, o combate ao garimpo irregular e à lavra ilegal de minérios, especialmente na Amazônia, o acesso a territórios com restrições à atividade econômica e incentivo à pesquisa geológica em escala mais detalhada.
“Apenas cerca de 4% do território apresenta mapeamento geológico em escala mais adequada para a mineração. Em outros países mineradores, como Canadá, Estados Unidos, Austrália e África do Sul, os distritos mineiros estão mapeados em escalas de semidetalhe e de detalhe”, observa. Também ressalta que as propostas legislativas para elevar os valores dos royalties, além da criação de taxas por estados, são fatores danosos para a segurança jurídica e para a atração de investimentos.
No ano passado, a arrecadação de impostos e taxas sobre o setor subiu 62,3% em comparação a 2020, chegando a R$ 117 bilhões. Somente a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Naturais (CFEM), o chamado royalty do setor, somou R$ 10,3 bilhões. Em 2021, esse valor foi de R$ 6,08 bilhões. Também em 2021, a produção totalizou R$ 339 bilhões, com o minério de ferro à frente (R$ 250 bilhões), seguido de longe pelo ouro (R$ 26 bilhões) e pelo cobre (R$ 18 bilhões). Com esse desempenho, o faturamento do setor cresceu 62% em comparação a 2020 e o saldo da balança setorial foi de cerca de US$ 49 bilhões.
Pesquisa da EY em parceria com o Ibram, realizada entre junho e setembro de 2021 e divulgada em maio deste ano, mostra que os três aspectos apontados por executivos de mineradoras como principais riscos e oportunidades para 2022 são ESG (governança ambiental, social e corporativa, na sigla em inglês), descarbonização e licença para operar. Já temas como inovação digital, atração e qualificação de pessoal, além de produtividade, são indicativos para a mina do futuro.
Embora o minério de ferro seja o protagonista do setor no país, Afonso Sartorio, sócio-líder de mineração e metais da EY na América do Sul, avalia que lítio, cobre, níquel, cobalto, grafite e terras-raras – produtos da cadeia de energia limpa – têm viés de alta procura, abrindo oportunidades para o Brasil. “Para um cenário baseado nas diretrizes do Acordo de Paris, em duas décadas, de 2020 a 2040, o consumo total de lítio deve crescer até 40 vezes”, destaca.
Já a demanda por níquel, cobalto e grafite deve aumentar cerca de 20 a 25 vezes. Para o cobre, a perspectiva é dobrar e, para as terras-raras, espera-se um aumento de cerca de sete vezes. O território brasileiro abriga cerca de 17% das reservas mundiais de níquel e volume significativo de cobre, grandes reservas de lítio e grafite, além da segunda maior do mundo de terras-raras.
Cobre e níquel, por sinal, são alvo das grandes mineradoras mundiais, que repensam sua estratégia de fusões e aquisições. “Dentro dessa tendência, a China continua agressiva para garantir sua supremacia em fornecimento global dos chamados minerais críticos e garantir o fornecimento para sua cadeia integrada de produção”, observa Sartorio.
A dependência que o Brasil tem da China não tem se mostrado um risco até agora, avalia o consultor. No entanto, ao anunciar neste ano a criação do China Mineral Resources Group (CMGR), estatal dedicada à mineração, o governo chinês passa a ter mais poder na definição de preços. “Isso pode trazer implicações para a dinâmica de mercado”, alerta.
O contexto internacional, agravado pela guerra na Ucrânia, acelerou uma dinâmica tensa no mercado global de minérios. Flávio Alves, líder de mineração e recursos naturais da Accenture no Brasil, diz que, seguindo a reação inicial de pânico, provocada pelo conflito no Leste Europeu, as cotações de alumínio, cobre e níquel disparam. No entanto, à medida que os fluxos comerciais se reequilibraram e surgiram novas preocupações macroeconômicas, muitos preços recuaram para os níveis de 2020, ano marcado pela pandemia de covid-19.
Alves lembra que, além do comportamento dos juros nos Estados Unidos – que teve outra alta em julho, na batalha do Federal Reserve (Fed, banco central americano) contra a inflação – e medidas de estímulo à economia na China – como a redução dos juros adotada em meados de agosto –, mexem com as perspectivas do mercado, que estão incertas. “O minério de ferro será um dos principais beneficiários de qualquer estímulo”, ressalta.
Para Alves, quando o “custo de poluir” estiver embutido no preço dos minérios, o Brasil terá uma vantagem natural, por conta da matriz energética e o potencial solar, eólico e de combustíveis não fósseis. “Mas serão necessárias adaptações e investimentos para levar a produção a uma matriz mais verde”, avalia. Ele afirma que o Brasil tem despertado interesse especialmente nos minérios na cadeia de metais eletrointensivos e voltados para a transição energética: cobre, níquel, cobalto e lítio. “Commodities das quais o Brasil é produtor, ainda que relativamente pequeno no contexto global”, diz.
Segundo a Declaração de Investimentos em Pesquisa Mineral (Dipem), apurados pela ANM, os investimentos em pesquisa mineral – considerando a descoberta de jazida (exploração) e reavaliação desses depósitos já em fase de concessão de lavra – aumentaram 70% no ano passado em comparação a 2020. Os estados que receberam os maiores investimentos foram Bahia, Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás e Pará.
Já ouro, ferro, cobre, zinco, manganês, alumínio, vanádio, platina, níquel, prata, diamante, tântalo e terras raras foram os minérios mais pesquisados. “Se formos levar em conta só a fase de alvará de pesquisa, houve uma variação positiva de 120% em relação ao ano anterior”, diz Miguel Nery, gerente-executivo da Associação Brasileira de Pesquisa Mineral (ABPM).
Patrícia Muricy, sócia e líder da área de mineração da Deloitte, vê volatilidade no setor: enquanto alguns minérios sofrem com a baixa demanda, outros possuem pouca oferta e alta demanda. “A aceleração da eletrificação de veículos e a demanda por aço verde são exemplos de demanda que podem criar gargalos, porque a oferta ainda não é suficiente”, aponta.
Ela diz que a necessidade de assegurar minérios essenciais à produção de baterias e componentes eletrônicos tem gerado uma série de investimentos e acordos entre mineradoras e indústrias. “Isso aproxima a mineração do consumidor final e pode favorecer as empresas com melhores práticas sociais e produtos com menor pegada de carbono, como é o caso do aço verde”, avalia.
Outro que chama a atenção para essa tendência é Luiz Felipe Fleury, líder de fusões e aquisições e sócio da HLB Brasil. Para ele, com as práticas sustentáveis em alta, o mercado está à procura de meios para atingir energia limpa, oferecendo boas chances para a mineração brasileira exportar mais. O lítio, mineral essencial para a fabricação de baterias, é um exemplo.
O Brasil, diz Fleury, responde apenas por cerca de 1,5% da produção mundial. “Mas com o decreto assinado em julho, facilitando a exportação do produto, o país pode se tornar em pouco tempo uma potência mundial.” Alguns exemplos desse apetite do mercado podem ser vistos em transações recentes no Brasil, envolvendo alguns minérios importantes para a eletrificação.
A canadense Lithium Ionic, que tem uma operação em Minas Gerais, acertou, em junho deste ano, a compra de duas licenças de mineração do metal no estado. O vendedor foi a Galvani Nordeste Mineração. Na Bahia, outra multinacional, a Gratomic, adquiriu três licenças de exploração de grafite, próximas a um projeto do mesmo minério que desenvolve na região. Também neste ano, a australiana South32 aumentou para 33% sua participação na Mineração Rio do Norte (MRN), produtora de bauxita no Pará.
Até recentemente, fusões e aquisições direcionadas pelo tema da sustentabilidade eram consideradas uma reação à pressão regulatória e ativista dos acionistas e stakeholders, diz Adriano Correia, sócio e líder do setor de mineração e siderurgia, PwC.
“Hoje, as empresas gerenciam os riscos ESG como parte de sua estratégia geral e veem isso como uma oportunidade de gerar valor, além de atender ao compromisso global com o Net Zero”, afirma.
A preocupação com a agenda sustentável está diretamente ligada com a possibilidade de o Brasil abrir o leque de clientes para seus minérios. Ricardo Marques, sócio da KPMG, diz que seria positivo para o Brasil buscar uma maior diversificação de suas exportações para além da Ásia. “Dificilmente a posição da China como principal cliente mudaria, mas Estados Unidos e Europa poderiam ganhar mais relevância”, analisa.
Ele lembra que os mercados americano e europeu estão cada vez mais exigentes em relação à sustentabilidade, o que tem exigido das empresas brasileiras “fazer o dever de casa”, buscando se adequar na agenda ESG. “De forma geral, no cenário de curto e médio prazos, os preços das commodities minerais tendem a ficar mais estáveis ou mesmo caírem um pouco em função da redução da demanda”, avalia Marques.
Em uma iniciativa para estimular os investimentos no setor, a Agência Nacional de Mineração (ANM) segue sua agenda de rodadas de disponibilização de áreas. O sexto certame tem edital previsto para fim de agosto. A oferta inclui cerca de 200 áreas para a lavra garimpeira, dentro do projeto Garimpo Legal, Empreendedores Verdes.
A quinta rodada ainda está em andamento e, em novembro, será a vez da sétima, com expectativa de colocação de cerca de 8 mil áreas para o mercado, para fins de pesquisa e lavra. “Estamos fazendo esforços para antecipar essa oferta, mas, em princípio, será em novembro”, diz o diretor-presidente da ANM, Victor Bicca.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/09/12/energia-limpa-muda-o-cenario.ghtml