ANM e B3 se unem para leiloar áreas de mineração represadas

A Agência Nacional de Mineração (ANM) planeja modernizar o processo de outorga de direitos minerários no Brasil, via acordo de cooperação com a B3. Conforme a diretoria da autarquia, o edital com as regras da oferta pública será publicado em dezembro e o primeiro leilão deve ocorrer em março de 2026. Os principais objetivos são aumentar a atratividade do setor e reduzir o estoque de cerca de 130 mil áreas em disponibilidade, que foram devolvidas à União por diversos motivos, como descumprimento de prazos e desistência dos titulares. Elas estão represadas por causa de entraves burocráticos, orçamentários e de gestão.

Pelo acordo, a B3 irá coordenar 15 leilões ao longo de cinco anos, com lotes de 7 mil ativos minerários. A estimativa da ANM é que a arrecadação da rodada inaugural chegue a R$ 300 milhões, puxada pelo interesse de investidores em minerais críticos como lítio, cobre, níquel e terras raras. Em maio, um edital do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) recebeu 124 planos de negócios na cadeia de valor de minerais estratégicos, totalizando R$ 85,2 bilhões. Desses, 56 (R$ 45,8 bilhões) foram selecionados para a próxima fase.

“Queremos viabilizar os leilões de forma mais transparente e rápida”, afirma o diretor-geral da ANM, Mauro Sousa. Ele avalia que a parceria técnica com a B3 e o apoio da ApexBrasil para atrair investidores estrangeiros garantirão a efetividade dos resultados. A agência mantém a prerrogativa de definir as regras, que incluirão critérios de capacidade financeira e técnica. Um acordo de cooperação com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) busca evitar a concentração de mercado.

A mudança ocorre em um momento de fragilidade institucional da ANM. Em setembro, a Polícia Federal realizou a Operação Rejeito para investigar supostas fraudes, corrupção e crimes ambientais, o que resultou na prisão preventiva de um diretor da agência. Também tramita no Tribunal de Contas da União (TCU) uma auditoria para investigar irregularidades. A diretoria da ANM informou que tomou conhecimento da operação policial pela imprensa. “Até o momento, não houve comunicação oficial à agência sobre eventuais medidas envolvendo servidores ou dirigentes”, diz o texto. “A ANM reitera seu compromisso com a legalidade, a transparência e a colaboração com as autoridades.”

Em outubro, a diretoria colegiada da ANM comunicou ao governo a iminência de paralisação de atividades essenciais por insuficiência de recursos orçamentários. Sousa diz que a agência é uma das que mais arrecadam royalties, mas não tem recebido sua parcela prevista em lei (7%) em função do contingenciamento orçamentário.

Para o advogado Thiago Pessoa, especialista em direito minerário, a crise da ANM não irá abalar a credibilidade dos leilões. “A B3 tem infraestrutura robusta e será responsável pela gerência das garantias financeiras, o que trará mais segurança jurídica e pode reduzir litígios”, avalia. Pessoa lembra que a arrecadação pode se tornar uma importante fonte para a melhor estruturação da agência. Ele vê o modelo como uma oportunidade para empresas de pequeno e médio porte especializadas na fase inicial de pesquisa e exploração.

O novo modelo é criticado pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral e Mineração (ABPM). Para Luís Maurício Azevedo, conselheiro da entidade, a B3 será uma mera leiloeira, sem impacto sobre o passivo existente. “Há um acúmulo de pelo menos 10 mil novas áreas por ano.” Para desafogar o sistema, a ABPM propõe a volta ao modelo de prioridade para as áreas de baixo interesse geológico, que seriam concedidas ao primeiro requerente.

O geógrafo Luiz Jardim Wanderley, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração, também critica a premissa do modelo. Para ele, o risco principal é a falta de garantias contra os danos ambientais de longo prazo. “Não existem filtros para impedir que grupos com passivos ambientais, sociais ou violações de direitos humanos ganhem os leilões”, alerta. Outra crítica do pesquisador é à falta de transparência dos estudos sobre as áreas: “Muitas vezes eles estão sob sigilo industrial, o que favorece quem tem informação privilegiada.”

 

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