Fundo de BNDES e Vale é avanço em disputa global

As tratativas entre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Vale para constituir, nos próximos meses, um fundo de investimento que vai financiar projetos de minerais críticos são uma etapa importante na corrida global por essas matérias-primas nas quais o país está bem posicionado, mas não é o único competidor.

Um memorando de entendimentos sobre a criação do fundo deve ser assinado em fevereiro para o lançamento do novo mecanismo de financiamento até o fim do primeiro semestre de 2024, disse José Luis Gordon, diretor de desenvolvimento produtivo, inovação e comércio exterior do BNDES: “O fundo está conectado com o projeto de neo-industrialização [do governo] e é voltado para pesquisa e exploração mineral”, afirma.O avanço nas discussões sobre o fundo foi noticiado, na semana passada, pelo Pipeline, site de negócios do Valor. As estimativas de mercado são de que o fundo receba até R$ 2 bilhões para apoiar projetos de minerais críticos, aplicados em especial aos setores de tecnologia e de energias renováveis. O Pipeline antecipou que a mineradora pode aportar R$ 50 milhões no fundo e servir como “âncora” para a entrada de outros investidores. BNDES e Vale não falam das cifras do fundo, cujas conversas se desenrolam há quase um ano.

Em nota, a Vale afirmou: “A Vale e o BNDES vêm mantendo conversas para colaborar na estruturação de um fundo de capital que apoie a exploração e produção de minerais estratégicos no Brasil. A iniciativa está alinhada à estratégia da Vale, que busca desenvolver seu negócio de metais de transição energética, além de contribuir para a neoindustralização do país, baseada na indústria de baixo carbono.”

O fundo se justifica, dizem especialistas, uma vez que esses minerais ganham cada vez mais relevância nas agendas de grandes países, caso dos Estados Unidos, da China, do Reino Unido, da Austrália e do próprio Brasil, entre outros. O tema também é importante nas estratégias de grandes blocos ou arranjos comerciais, como a União Europeia e o G-20, principal fórum de cooperação econômica internacional, uma vez que os metais e ou minerais críticos são tidos como peças-chave na transição para uma economia de baixo carbono em termos globais.

AIE prevê que demanda por minerais críticos vai crescer”
— Raul Jungmann

A lista de minerais críticos inclui níquel, cobre, lítio, nióbio, cobalto e terras raras. Mas a relação pode ser maior e variar dependendo de necessidades industriais específicas e de contextos geopolíticos. Esses produtos servem a uma miríade de finalidades, sendo as mais destacadas a produção de carros elétricos, mas também são insumos para a fabricação de equipamentos de energia solar e eólica. A aplicação vai além: operam como matérias-primas para peças de computadores, de tecnologias avançadas e de uso militar.

Em setembro de 2023, a declaração dos líderes do G-20, reunidos na Índia, incluiu referência aos minerais críticos ao dizer que o bloco tem esses materiais como uma das prioridades. Em um dos trechos, os líderes falaram no compromisso de “apoiar cadeias de abastecimento confiáveis, diversificadas, sustentáveis e responsáveis para a transição energética, incluindo minerais e materiais críticos beneficiados, semicondutores e tecnologias”.

Agora, com o Brasil na presidência do G-20, há expectativas de outros países de trabalhar junto com o governo brasileiro para desenvolver e consolidar o tema. É preciso considerar, porém, que o conceito do que é crítico em termos de minerais varia dependendo do país ou região. Os próprios países vão mudando as listas de “criticidade” dos materiais com passar do tempo e das circunstâncias de mercado.

A queda recente nos preços de alguns metais, como lítio, cobalto, níquel e cobre, levantou dúvidas sobre a velocidade de desenvolvimento de projetos minerais nessas áreas para atender à transição energética. A queda das cotações dificulta o financiamento de projetos, sobretudo das “juniors companies”, as empresas de menor porte. Mas especialistas e entidades do setor continuam confiantes no crescimento desse mercado a médio e longo prazos. Luis Mauricio Azevedo, presidente da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral e Mineração (ABPM), diz que financiar não está impossível, mas é preciso ter bons projetos.

Em Shenzhen, na semana passada, Raul Jungmann, presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), disse ao Pipeline, no Brazil China Meeting, promovido pelo Valor e Lide, com apoio institucional de “O Globo” e CBN, que a queda nos preços dessas matérias-primas é um movimento de curto prazo, para ajuste de oferta e demanda, mas sem alteração de tendência. “A Agência Internacional de Energia diz que a demanda por minerais críticos vai crescer puxada pelo desenvolvimento da eletrificação, da energia renovável, da migração para uma economia de baixo carbono”, disse Jungmann ao Valor.

Em outubro de 2023, Edson Ribeiro, diretor de exploração e processo mineral da Vale, falou sobre os conceitos de minerais críticos em apresentação na Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg). Ribeiro disse na ocasião que os minerais críticos são aqueles que apresentam um ou mais fatores de “criticidade”. O conceito, explicou, reflete um desbalanço entre oferta e demanda, agravado pelo tempo de resposta da mineração. Projetos minerais demoram a se tornar realidade, e, entre a aprovação e o começo da operação, é comum que possam se passar cinco, dez ou mais anos.

Há alguns fatores que identificam se um mineral é crítico. Um deles é a escassez do recurso mineral. Um segundo ponto é a concentração desses minerais em países de alto risco de negócios. Outra questão considerada é a função essencial desses materiais em produtos estratégicos, como os carros elétricos.

Ribeiro mostrou, na apresentação, que alguns países publicam listas de minerais críticos há anos, evoluindo na metodologia e tornando-a cada vez mais clara. “Somente entendendo os fatores de criticidade os diversos atores da indústria podem agir”, afirmou. A criticidade é baseada na evolução histórica da dinâmica entre oferta e demanda e impacto nas necessidades domésticas de um país ou região.

“Para a União Europeia, os materiais estratégicos se diferem dos materiais críticos por serem focados nas necessidades militares do bloco”, disse Ribeiro. Na apresentação, o executivo mostrou que houve, entre 2013 e 2022, um aumento na demanda mundial por cobre de 4,1 milhões de toneladas. Para o período 2022-2042, a previsão é que o crescimento da demanda seja de 13,8 milhões de toneladas. No níquel, a estimativa, para o mesmo período, é de crescimento da demanda de 2,3 milhões de toneladas ante 500 mil toneladas de expansão entre 2013 e 2022 (ver quadro acima).

O Reino Unido, que deixou a União Europeia, desenvolveu uma estratégia como política de Estado para os minerais críticos, lançada em 2022 e revista em 2023, e que se apoia em um tripé: 1) ajudar a acelerar a capacidade da indústria de processamento (downstream) no país, com vistas à descarbonização da economia; 2) trabalhar em parcerias internacionais e 3) assegurar boas condições para as cadeias globais de fornecimento.

Diz uma fonte: “É importante garantir que o comércio global [de minerais críticos] seja livre, justo e aberto.” Afirma que as cadeias de abastecimento de minerais críticos são “opacas”, pouco transparentes. O Brasil também aprovou programa de incentivo à produção de materiais estratégicos. A expectativa é que a iniciativa facilite o licenciamento ambiental desse tipo de projeto. Mas é preciso encontrar equilíbrio que permita o desenvolvimento de projetos e a preservação ambiental. O jornal procurou o Ministério de Minas e Energia (MME) para falar do tema, mas não teve retorno.

Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/01/16/fundo-de-bndes-e-vale-e-avanco-em-disputa-global.ghtml

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