Momento é positivo para o ouro, mas cotação recorde encarece potenciais fusões e aquisições

As operações de fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês) e investimentos no setor de mineração devem seguir aquecidos no Brasil, segundo especialistas e executivos do setor. Em ouro, contudo, a cotação recorde do metal, sustentada por questões geopolíticas, dificulta as negociações neste momento.

“Estamos em uma fase extremamente produtiva em termos de novas pesquisas, especialmente nos minerais relacionados à transição energética. É o caso do lítio, do níquel, do vanádio, das terras raras. Há um apetite grande no Brasil para esses minerais”, diz Julio Nery, diretor de Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), acrescentando que o interesse é visto também em outros países. No Brasil o ouro também é alvo de interesse. “Há muitos projeto em andamento”, afirma Nery.

Fernanda Tanure, sócia de Direito do Ambiente, Clima e Recursos Minerários do BMA Advogados, reforça essa percepção. “A gente vê muitas oportunidades surgindo. O escritório tem sido demandado cada vez mais nesse setor para aquisições de área ou aquisições. A gente tem visto bastante busca por áreas de ouro e também de minerais estratégicos.”

Diferentemente dos minerais críticos, o pano de fundo do ouro não é o da transição energética, mas o da instabilidade geopolítica. O metal é a tradicional salvaguarda de investimentos em momentos de incerteza. Com duas guerras em curso no mundo – na Ucrânia e no Oriente Médio – e com tensões insolúveis entre EUA e China, investidores têm intensificado sua busca por proteção. Os preços do ouro refletem as preocupações. Há quatro anos, a onça do metal era cotada a US$ 1.300. Na sexta-feira (18), ultrapassou a marca dos US$ 2.700, nível recorde.

Kleber Cardoso, vice-presidente financeiro da Aura Minerals, que é controlada por um empresário brasileiro e listada no Canadá, diz que a companhia segue avaliando oportunidades de aquisição no Brasil e em países vizinhos, com foco em ouro e cobre. “Crescer por aquisição é uma via que está no nosso radar, mas não temos nada engatilhado neste momento”, afirma. A mineradora tem operações no Brasil, no México e em Honduras, e está em fase de expansão com projetos já em desenvolvimento.

Segundo o executivo, tamanho dos depósitos e tecnologia de exploração são determinantes para que a Aura siga com uma aquisição. “Comparamos com o que temos dentro de casa, então acabamos sendo bastante seletivos.”

Cardoso diz que a atividade de M&A em ouro, embora aquecida, ainda é incipiente em termos de operações consumadas, sobretudo no país. Uma das explicações está justamente na dificuldade de definir a avaliação (“valuation”) de projetos ou empresas, em um momento de preços históricos do metal, o que encarece os ativos.

“Não vemos um número grande de ‘deals’, mas eles já estão acontecendo”, diz. Fora do país, a AngloGold Ashanti chegou a um acordo para comprar a egípcia Centamin, em operação estimada em US$ 2,5 bilhões, há cerca de um mês.

Houve negócios menores em outras regiões. A própria Aura comprou dois projetos em maio, Pé Quente e Pezão, em Mato Grosso, por US$ 500 mil inicialmente, para estudar a possibilidade de elevar as reservas potenciais de outra mina que vai explorar, o projeto Matupá, no mesmo Estado. “As empresas estão ajustando o ‘valuation’. Na década passada, houve muita consolidação e algumas companhias deram um passo maior que perna. Esse ajuste é natural até que haja um aquecimento de fato [dos M&As]”.

Segundo Cardoso, o Brasil oferece oportunidades de negócio, com grandes depósitos e jurisdição estabelecida, sobretudo para quem está capitalizado. “Há regras definidas no país”, ressalta.

Representantes do setor mineral também falam dos desafios. O mais repetido por eles diz respeito a processos muitas vezes demorados e incertos de licenciamento de projetos. “A gente precisa de um ambiente mais estável”, diz Nery, do Ibram.

“Somos capazes de atrair investidores, mas quando se chega na parte regulatória, trava”, diz Luis Maurício Ferraiuoli Azevedo, geólogo e advogado, presidente da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral e Mineração (ABPM). “O investidor de ‘junior companies’ não pode ficar parado, esperando. Esse é o nosso calcanhar de Aquiles.”

O SGB apresentou na semana passada o Plano Decenal de Mapeamento Geológico (PlanGeo 2025-2034). O plano estabeleceu áreas do país que serão mapeadas geologicamente com o objetivo de fornecer informações mais detalhadas sobre depósitos minerais e reduzir riscos de investidores e mineradoras. “O objetivo é dar mais transparência e mais acesso à informação geológica”, diz Francisco Valdir Silveira, diretor de Geologia e Recursos Minerais do SGB. Estudo recente da EY junto com o Ibram, intitulado “A atratividade do setor mineral brasileiro”, mostra que apenas 27% do território nacional já está mapeado na escala mínima adequada para início de um projeto de prospecção mineral.

Seja em ouro, em minerais críticos ou em commodities metálicas tradicionais, o Brasil é um tradicional polo de mineração e o fato de ser uma democracia estável e de ter um papel geopolítico independente são fatores que jogam a favor. “Governos estão nos procurando de uma forma muito mais frequente para abrir caminho para empresas de seus países”, diz Silveira. “Recentemente fomos convidados para reuniões com o secretário-adjunto Geoffrey Pyat do Departamento de Estado dos Estados Unidos, com a embaixadora do trono dos Países Baixos, pela a Embaixada da França e de vários outros, todos interessados em minerais críticos”, conta.

No início do mês, em um evento sobre mineração na B3, em São Paulo, Ana Paula Bittencourt, da Secretaria Nacional de Geologia, Mineração e Transformação Mineral, do Ministério das Minas e Energia, já havia mencionado o nível de interesse externo no país – que é detentor de reservas muito significativas de diversos minerais críticos. “Nesse cenário de oportunidades, nossa secretaria vem estreitando laços com EUA, União Europeia, especificamente Alemanha, China, Coreia e Japão, todos que tenham interesse em oferecer parcerias para avanços tecnológicos na cadeia de produção e na transformação de minerais”, afirmou.

Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/10/21/momento-e-positivo-para-o-ouro-mas-cotacao-recorde-encarece-potenciais-fusoes-e-aquisicoes.ghtml

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